A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 186/19, mais conhecida como a PEC Emergencial foi apresentada ao Senado Federal pelo Ministro Paulo Guedes em 05/11/2019.
No entanto, por conta dos gastos com o auxílio emergencial para enfrentamento dos efeitos da pandemia do coronavírus, a PEC voltou a ser discutida no início de 2021.
Aprovada no Senado Federal em 04/03/21 e confirmada na Câmara dos Deputados 12/03/21, o texto da PEC se tornou a Emenda Constitucional (EC) n.º 109/21 permitindo ao governo federal pagar um novo auxílio emergencial em 2021 bem como atribuindo maior rigidez na aplicação de medidas de contenção fiscal, controle de despesas com pessoal e redução de incentivos tributários.
Destacamos dois pontos importantes que podem impactar diretamente os recursos financeiros para pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica com a promulgação da EC n.º 109/21 (PEC n.º 186/19):
- Desvinculação dos recursos de fundos para o controle da dívida: os recursos de fundos que já tinham sido contabilizados em orçamentos de anos anteriores e integraram o superávit financeiro da União serão usados para abater os juros da dívida pública.
- Redução e avaliação de gastos tributários: o presidente da República terá seis meses para enviar ao Congresso Nacional um plano para reduzir os gastos tributários nos próximos oito anos. A intenção é limitar esse gasto a 2% do PIB. Atualmente, os gastos tributários do Brasil representam 4% do PIB (+ de R$ 300 bilhões).
No que se refere à redução dos gastos tributários, importante destacar que, o plano de redução gradual dos incentivos federais de natureza tributária para até 2% do PIB trouxe algumas exceções, não podendo alcançar os seguintes benefícios relacionados:
- ao Simples Nacional,
- às entidades sem fins lucrativos,
- aos programas de desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
- à Zona Franca de Manaus e demais áreas de livre comércio,
- aos produtos da cesta básica e
- aos programas destinados à concessão de bolsas de estudos para estudantes de cursos superiores (PROUNI).
De acordo com o Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária (Gastos Tributários) do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, os incentivos fiscais federais foram estimados em R$ 307,9 bilhões, representando 4,02% do PIB. Deste total, cerca de 48% referem-se àqueles excepcionados pelo texto.
Embora haja quem defenda que os gastos tributários excepcionados não irão compor o valor para alcance da meta de redução de 2% do PIB, em um cenário pessimista, após avaliação desses dados, para que o governo federal alcance a redução pretendida nos próximos 8 anos (2% do PIB), seria necessária a revisão da maior parte dos benefícios tributários não excepcionados pela PEC n.º 186/19, inclusive aqueles destinados à PD&I.
A título de exemplo, apresentamos alguns incentivos tributários atrelados a investimento em PD&I e que não foram excepcionados:
Função Orçamentária | Gasto Tributário | Mecanismo | Valor | PLOA 2021 | PIB 2021 |
Ciência e Tecnologia | Informática e Automação | Lei de Informática | 6.596.430.984,60 | 2,14% | 0,09% |
Ciência e Tecnologia | Inovação Tecnológica | Lei do Bem | 2.480.292.111,30 | 0,81% | 0,03% |
Indústria | Rota 2030 | Programa Rota 2030 | 1.904.863.727,50 | 0,62% | 0,03% |
TOTAL | 10.981.586.823,39 | 3,57% | 0,14% |
Assim, três importantes iniciativas estão fora das exceções da PEC n.º 186/19: a Lei de Informática, a Lei do Bem e o Programa Rota 2030.

Sobre os incentivos à PD&I
A Lei de Informática incentiva a capacitação e a competitividade de tecnologias da informação por meio da concessão de crédito financeiro por meio de compensação de tributos federais. Como contrapartida à utilização dos incentivos fiscais, as empresas beneficiárias devem investir em atividades de P&D.
A Lei do Bem que dentre outros benefícios, permite a dedução do IRPJ/CSLL apurado sob a sistemática do lucro real dos dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, sendo esse um mecanismo transversal de apoio a PD&I em todos os setores.
Já o Programa Rota 2030 tem por objetivo promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor automotivo, concedendo créditos calculados por meio da aplicação das alíquotas do IRPJ/CSLL sobre até 45% dos dispêndios realizados no País, aplicados em pesquisa e desenvolvimento.
Impacto dos incentivos para as empresas
No que tange aos incentivos à inovação tecnológica da Lei do Bem, a edição nº 19 de março de 2021 do Boletim sobre subsídios da União, publicada pelo Ministério da Economia, apresentou uma análise sobre a Lei do Bem (Lei nº 11.196/05), chegando às seguintes conclusões:
“A análise da literatura empírica evidenciou que a Lei do Bem conferiu uma redução de custos de inovação relevante, possibilitou ganhos de aprendizagem na gestão de P&D empresarial e contribuiu efetivamente para o aumento de esforços de inovação e melhoria da produtividade das empresas. No entanto, há evidências de que o alcance da política ainda é restrito e de que houve queda de efetividade após a sua maturação.
(…)
Diante das evidências, recomenda-se a proposição de medidas que aperfeiçoem os benefícios da Lei do Bem e que possam ser viabilizadas por meio de identificação e revisão de outros subsídios tributários à inovação com baixa efetividade ou que se sobrepõem à política.
(…)
Desse modo, a política teria contribuído para evitar um retrocesso ainda maior nos investimentos em P&D no período. O conjunto de evidências apresentadas sugere que a Lei do Bem corresponde a um instrumento relativamente efetivo para ampliar os esforços tecnológicos e a inovação empresarial no país. Nesse sentido, propostas que permitam o aperfeiçoamento da política deveriam ser consideradas, especialmente no cenário de performance desfavorável dos indicadores de C,T&I no período recente. Uma possível alternativa de aprimoramento é permitir o aproveitamento em exercícios futuros de benefícios fiscais que não foram utilizados no mesmo exercício de realização dos gastos em P&D (prejuízo fiscal, lucros reduzidos).
Grifos nossos”
Em defesa dos incentivos
Importante lembrar que a Constituição Federal preceitua em seu artigo 218 que o Estado deverá promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnologia e a inovação.
Resta claro, que os incentivos fiscais à inovação tecnológica não se configuram como privilégios tributários e sim como uma forma de operacionalizar uma premissa constitucional contribuindo para a promoção do desenvolvimento tecnológico nacional. Sendo assim, qualquer redução ou extinção desses benefícios representaria um atraso ao país.
Ademais, uma nação que pleiteia uma vaga na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como é o caso do Brasil, e que não possua políticas públicas consistentes voltadas para o fomento à ciência, tecnologia e inovação se tornaria mais enfraquecida para a entrada no organismo internacional, mostrando-se na contramão do que preconiza a instituição, visto que a grande maioria dos países signatários possuem políticas consistentes de incentivo a inovação. No link a seguir é possível verificar os países que possuem políticas de incentivos fiscais à PD&I: https://www.oecd.org/sti/rd-tax-stats.htm
Nós da ABGI, somos entusiastas dos mecanismos que fomentam e promovem a inovação tecnológica pois acreditamos que esse é um caminho importante para o desenvolvimento socioeconômico do país e para atração de investimentos ao Brasil. Assim, participamos ativamente de todas as iniciativas para que os benefícios fiscais tributários ligados à inovação sejam preservados e aprimorados.
Texto da PEC n.º 186/19
Art. 4º O Presidente da República deve encaminhar ao Congresso Nacional, em até 6 (seis) meses após a promulgação desta Emenda Constitucional, plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos orçamentários e financeiros.
§ 1º As proposições legislativas a que se refere o caput devem propiciar, em conjunto, redução do montante total dos incentivos e benefícios referidos no caput:
I – para o exercício em que forem encaminhadas, de pelo menos 10% em termos anualizados, em relação aos incentivos e benefícios vigentes quando da promulgação desta Emenda Constitucional;
II – de modo que esse montante, no prazo de até 8 (oito) anos, não ultrapasse 2% (dois por cento) do produto interno bruto.
§ 2º O disposto no caput, bem como o atingimento das metas estabelecidas no § 1º, não se aplicam aos incentivos e benefícios:
I – estabelecidos com fundamento na alínea “d” do inciso III e no parágrafo único do art. 146 da Constituição;
II – concedidos a entidades sem fins lucrativos com fundamento na alínea “c” do inciso VI do art. 150 e no § 7º do art. 195 da Constituição;
III – concedidos aos programas de que trata a alínea “c” do inciso I do art. 159 da Constituição;
IV – relativos ao regime especial estabelecido nos termos do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e às áreas de livre comércio e zonas francas estabelecidas na forma da lei;
V – relacionados aos produtos que compõem a cesta básica; e
VI – concedidos aos programas estabelecidos em lei destinados à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais para estudantes de cursos superiores em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
§ 3º Para efeitos deste artigo, considera-se incentivo ou benefício de natureza tributária aquele assim definido na mais recente publicação do demonstrativo a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição Federal.
§ 4º Lei complementar tratará de:
I – critérios objetivos, metas de desempenho e procedimentos para a concessão e a alteração de incentivo ou benefício de natureza tributária, financeira ou creditícia para pessoas jurídicas do qual decorra diminuição de receita ou aumento de despesa;
II – regras para a avaliação periódica obrigatória dos impactos econômico-sociais dos incentivos ou benefícios de que trata o inciso I deste parágrafo, com divulgação irrestrita dos respectivos resultados;
III – redução gradual de incentivos fiscais federais de natureza tributária, sem prejuízo do plano emergencial de que trata o caput.
Autora:
Carina Leão é Diretora de Tributos e Relações Institucionais na ABGI. Graduada em Direito pela Universidade FUMEC e especialização em Gestão Corporativa de Tributos. Coordena projetos de incentivos da Lei do Bem e Rota 2030, captação de recursos financeiros e estruturação de centros de P&D.