Juntos na busca de um futuro promissor

Maria Augusta Vieira Nelson, doutora em Ciência da Computação, aponta os benefícios da aproximação entre a indústria de software e a comunidade acadêmica
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O setor de software se caracteriza pela busca constante da inovação. As empresas precisam estar atentas às novas tecnologias e às necessidades do mercado para oferecer soluções viáveis. Embora conte, na maioria das vezes, com equipamentos e profissionais da área, a indústria de software precisa se interagir mais com as universidades, a fim de aumentar o nível de inovação de produtos e processos. Para a professora Maria Augusta Vieira Nelson, doutora em Ciência da Computação, a pesquisa, a inovação, a extensão universitária, o empreendedorismo e a formação acadêmica precisam andar de mãos dadas. Somente assim, será possível fomentar iniciativas inovadoras na área.

Ela ressalta o papel do Congresso Brasileiro de Software (CBSoft) e de outros eventos da Sociedade Brasileira de Computação no sentido de aproximar a comunidade acadêmica da indústria de software. “Essa aproximação, as discussões que se iniciam durante o evento e a troca de ideias são essenciais para fomentar as colaborações”, afirma.

O curso de Engenharia de Software da PUC Minas, do qual é professora, também é ressaltado por Maria Augusta, observa que, mesmo estando em seu primeiro ano, já existe um envolvimento de alunos e professores do curso para elevar as parcerias para utilização de ferramentas produzidas pelas empresas.

A professora também critica o fato de ainda serem poucos os editais que contemplam a parceria público-privada e que, muitas vezes, são voltados apenas para pesquisa e pouco estão relacionados à inovação.

“Os editais precisam ser menos restritivos sobre a utilização dos recursos para permitirem os investimentos necessários na solução dos problemas”, avalia.

Sobre prever o futuro, ela é enfática:

“eu gosto da frase do Alan Kay que diz que a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo. Eu contribuo com o futuro formando engenheiros de software. Quando eles chegarem ao mercado, estarão inventando o futuro fora dos muros da universidade”, conclui.

 

A seguir, você confere a entrevista completa com a professora.

 

Qual o objetivo e estrutura do curso de Engenharia de Software na PUC-Minas?

O bacharelado em Engenharia de Software da PUC-MG tem o objetivo de formar profissionais com sólida educação em ciência da computação, matemática, produção e tecnologias modernas visando a construção de soluções de software seguras, confiáveis e viáveis economicamente, de maneira sistemática, controlada que levem em consideração questões éticas, sociais, legais, econômicas e técnicas. O curso é o primeiro em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.

Basicamente, queremos formar bacharéis em engenharia de software que saibam perceber no seu entorno problemas para os quais as soluções de software possam contribuir para uma sociedade melhor e que saibam avaliar o impacto das soluções produzidas para o indivíduo e a sociedade.

O curso está estruturado em seis núcleos de formação: formação Humanística e Social; formação Gerencial; Matemática e Ciências Básicas; Processo de Software; Desenvolvimento de Software; Infraestrutura de Software. Para garantir uma formação profissionalizante, o curso oferece ao aluno a chance de fazer estágio, empreender e inovar com seus projetos e desenvolver em equipe pelo menos um software por semestre em projetos de sua escolha.

 

Como o curso está atuando para aproximar as universidades das empresas?

O Instituto de Ciências Exatas e Informática (Icei) abriga os cursos de Engenharia de Software, Ciência da Computação, Engenharia de Computação, Sistemas de Informação, Tecnologia em Jogos Digitais, Licenciatura em Matemática e Física. Apesar de estar no seu primeiro ano, o curso de Engenharia de Software apoia e participa das diversas iniciativas que fazem parte do Icei. Inclusive, no instituto temos um grupo formado por alguns professores chamado de “Grupo de Relacionamento com o Mercado”. Esse grupo nos auxilia em visitas às empresas, parcerias para utilização de ferramentas produzidas pelas empresas e que podem fornecer licenças educacionais para a universidade, parcerias para treinamentos e cursos com sessão de materiais didáticos.

 

Quais os desafios de um desenvolvimento conjunto de projetos de P&D entre as universidades e as empresas?

Primeiramente, a questão é institucional. As empresas e a universidade precisam definir e assinar acordos de cooperação. Nesses acordos devem estar previstas as contrapartidas dos envolvidos, as responsabilidades e os direitos. A questão do direito de propriedade de um software é sempre polêmica. Em termos culturais, as empresas privadas têm um funcionamento diferente do ambiente universitário. Dentro da universidade, o aluno é aprendiz, está em formação e, do lado da empresa, o funcionário é um profissional. As expectativas precisam ficar claras em ambas as partes para que a parceria não seja frustrante, e contribuindo para que ambos sintam que ganharam. A legislação e as políticas internas também precisam ser conhecidas por ambas as partes. Para isso, os departamentos jurídicos das partes revisam os acordos para validarem o que cada um se propõe a cumprir.  Em termos operacionais, minha experiência diz que a característica inerente a universidade de funcionar em ciclos, a cada semestre, precisa ser alinhada com a empresa logo no início da parceria. Temos um período intenso de produção durante o semestre e um período com menos envolvimento nas férias.

 

Como as universidades tem utilizado os recursos públicos para projetos de inovação? Em conjunto com as empresas ou de forma independente?

Utilizamos os recursos públicos por meio dos itens definidos nos editais de financiamento de projetos. Alguns órgãos de fomento já têm procurado estabelecer a parceria no próprio edital por meio das parceiras público-privadas. Já tivemos a oportunidade de participar de alguns com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), em conjunto com a Fiat e a CI&T, que é uma multinacional brasileira de Tecnologia da Informação. Este ano, um edital que nos movimentou bastante foi o desafio do leite (Ideas for Milk) lançado pela Embrapa, em parceria com as empresas de inovação, para as universidades. No lançamento desse edital, tínhamos 500 pessoas das mais diversas áreas participando. Isso é um benefício enorme para a inovação. É da colaboração multidisciplinar que nasce a inovação, quando cada área dialoga e entende a outra área para romper as fronteiras do conhecimento.

 

Os recursos públicos existentes para apoio ao PD&I têm estimulado a realização de projetos de universidades em parceria com empresas? Quais os principais desafios na utilização desses recursos?

Ainda são poucos editais que contemplam a parceria público-privada e, muitas vezes, são voltados apenas para pesquisa. São poucas ainda as iniciativas relacionadas à inovação. Os editais precisam ser menos restritivos sobre a utilização dos recursos para permitirem os investimentos necessários na solução dos problemas.

Temos, atualmente, uma parceria com a ChildFund, uma organização humanitária internacional. Existe, no momento, a intenção e movimentação para criarmos nessa parceria um Centro de Inteligência Social para identificar, por meio de técnicas de BigData e IA, as áreas de maior risco, por meio de um Índice de Vulnerabilidade Social desenvolvido em pesquisas prévias para esse projeto, no Rio de Janeiro. Os grandes parceiros da ChildFund são o governo e a iniciativa privada. Nesse projeto eu vejo vários frutos positivos.

 

Qual o papel do Congresso Brasileiro de Software (CBSoft) nessa aproximação entre a universidade e a empresa, e na geração de inovações tecnológicas? Essa aproximação tem se mostrado efetiva?

O CBSoft é um fórum de pesquisa da comunidade acadêmica que tenta a cada ano se aproximar mais da indústria de software. Quando coordenei o evento em 2015, em Belo Horizonte, fizemos um esforço grande para envolver as startups, as empresas mais consolidadas, as internacionais com sede em Belo Horizonte, os estudantes, os pesquisadores, os desenvolvedores e os palestrantes internacionais. É isso que percebemos todos os anos, um evento rico em pessoas dos mais diversos setores interessadas, de uma forma ou de outra, em software. Temos no evento uma trilha regular de pesquisa, de ideias inovadoras, da indústria mostrando o que fazem de ponta em termos de pesquisa e inovação, de educação em que os professores mostram como inovaram no ensino para favorecer o aprendizado e, muitas vezes, percebemos que essa inovação está exatamente nas parcerias, em colocar os estudantes para trabalhar nesses projetos desenvolvidos pelas universidades, juntamente com as empresas. Essa aproximação, as discussões que se iniciam durante o evento e a troca de ideias são essenciais para fomentar as colaborações. Essa entrevista, por exemplo, nasceu da nossa interação, que iniciou no CBSoft.

O CBSoft e outros eventos promovidos pela SBC (Sociedade Brasileira de Computação) são de extrema importância para permitir a articulação necessária entre os profissionais da área na definição dos perfis de egressos dos cursos de graduação e das diretrizes curriculares da área de computação como um todo. Logo após o evento deste ano tivemos a homologação das diretrizes curriculares da área. Esse esforço vem sendo feito há vários anos e finalmente teve um desfecho de sucesso.

A pesquisa, a inovação, a extensão universitária, o empreendedorismo, a formação acadêmica precisam andar de mãos dadas. Eventos científicos como o CBSoft são o berço e a propulsão para os projetos inovadores.

 

Quais os principais eventos do setor de Tecnologia da Informação (TI) no contexto de inovação e tendências tecnológicos?

Recentemente, tivemos em Belo Horizonte a Feira Internacional de Negócios, Inovação e Tecnologia (Finit) e a Campus Party, que foram incríveis para permitir a troca e a interação entre as pessoas.

 

Como as empresas podem utilizar melhor o conhecimento que é produzido nas universidades?

Quando estudei no Canadá fazendo meu doutorado, a Universidade de Waterloo tinha seus programas de graduação em um formato de co-operation, que significava que os alunos estudavam oito meses na universidade e passavam quatro meses dentro de uma empresa. Na época das entrevistas para as contratações, o campus se transformava e as empresas disputavam os melhores candidatos com ofertas realmente muito interessantes. Essa era a forma encontrada pelas empresas de colocar pessoas capazes, com o conhecimento muito atualizado e novo, oxigenando suas equipes. Para os estudantes, era uma oportunidade de se profissionalizarem. Aqui no Brasil, os estágios funcionam de forma semelhante. Porém, as empresas muitas vezes exploram os estagiários com trabalhos simplórios, ao invés de entenderem que o maior recurso do estagiário é o conhecimento que ele acabou de adquirir e que provavelmente está mais atualizado do que o dos empregados da empresa. Se mais projetos desafiadores fossem colocados nas mãos dos estagiários, com acompanhamento dos funcionários, ficaríamos surpresos com os resultados.

 

Quais foram as principais tendências do setor de TI abordadas em 2016? Qual o futuro para o setor?

Acredito que é uma junção de ciência dos dados ou analytics, combinada com aprendizado de máquina que está levando o software a sair da simples capacidade de operacionalizar para a capacidade de sugerir decisões e mostrar as consequências de cada uma delas.

Maria Augusta Vieira Nelson

PhD em Ciência da Computação (2003) pela University of Waterloo no Canadá onde se dedicou à Engenharia de Software. Possui mestrado (1995) e  graduação (1993)  em Ciência da computação pela UFMG. Atualmente é professora adjunto IV da PUC Minas onde leciona e coordena o curso de graduação em Engenharia de Software, e atua em diversas especializações na área de TI do IEC-PUC Minas. Também leciona nas especializações a distância de Desenvolvimento de Aplicações Web e Engenharia de Software da PUC Minas Virtual e coordena a especialização em Arquitetura de Software Distribuído.  Atua como pesquisadora e como consultora na área de Engenharia de Software, com ênfase em Engenharia de Requisitos, Arquitetura e Testes de Software. Dedica uma boa parte do seu tempo a atração e formação de recursos humanos para a área de Engenharia de Software.

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