Antes de explorarmos a forma como as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) podem se beneficiar da Lei do Bem, cabe esclarecermos o que será considerado como empresas destes portes para este artigo.
O art. 3º da Lei Complementar n.º 123/2006, considera como microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário, desde que:
I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta[1] igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II – no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
Assim, após os alinhamentos de conceitos, detalharemos a seguir, sobre o benefício às MEs e EPPs.
[1] Receita bruta é o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
O benefício fiscal
A Lei n.º 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, regulamentada pelo Decreto n.º 5.798/2006, dispõe em seu Capítulo III sobre os incentivos fiscais às atividades de inovação tecnológica. Com foco na contratação de micro e pequenas empresas para realização das atividades de PD&I, a lei apresenta:
“Art. 18. Poderão ser deduzidas como despesas operacionais, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei e de seu § 6º , as importâncias transferidas a microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do produto resultante.
Assim, para as micro e pequenas empresas, recebedoras das importâncias transferidas, há também um benefício no que tange aos recursos destinados à execução do PD&I, conforme disposto no art. 18, § 2º:
“Art. 18, § 2º: Não constituem receita das microempresas e empresas de pequeno porte, nem rendimento do inventor independente, as importâncias recebidas na forma do caput deste artigo, desde que utilizadas integralmente na realização da pesquisa ou desenvolvimento de inovação tecnológica.”
E ainda, apresenta um limitador quanto a dedutibilidade desses valores recebidos para execução das atividades de PD&I, caso a ME e EPP apure pelo Lucro Real, no § 3º, do mesmo artigo:
“Art. 18, § 3º: Na hipótese do § 2º deste artigo, para as microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o caput deste artigo que apuram o imposto de renda com base no lucro real, os dispêndios efetuados com a execução de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica não serão dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.”
Assim, em resumo, as microempresas e empresas de pequeno porte, que apurem pelo Lucro Presumido ou Lucro Real, quando receberem recursos de outras empresas para execução das atividades de PD&I, terão como incentivo a não constituição como receita dos valores recebidos, logo há o benefício fiscal da não tributação dessa receita.
Nota: vedação de usufruto pelas MEs e EPPs optantes pelo Simples Nacional |
A Instrução Normativa RFB n.º 1.187/2011, em seu art. 4, § 6º, esclarece que é vedada às microempresas e às empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional de utilizarem tal benefício, visto que possuem tratamento diferenciado e simplificado quanto a seu regime tributário. |
A contabilização e controle
A legislação da Lei do Bem não traz exigências para que as micro e pequenas empresas prestem contas quanto ao uso do benefício ao MCTI. Contudo, é importante que haja um controle para assegurar a destinação do recurso para os fins definidos na Lei. Assim, entendemos que possa haver duas situações distintas para o recebimento das transferências, sendo elas:
A transferência dos recursos após a execução do PD&I, em que osgastos devem ser controlados, mesmo que gerencialmente, para que no momento do recebimento dos recursos, realize-se a conciliação para comprovação de que no fim do processo, não houve impacto no resultado.
A transferência dos recursos antecipadamente à execução do PD&I, em que a empresa deve ter controles que permitam a conciliação dos saldos de forma a garantir a total rastreabilidade e utilização dos valores, vinculando as despesas de PD&I aos recursos recebidos, com o objetivo de comprovar que foram utilizados integralmente na realização da pesquisa ou desenvolvimento de inovação tecnológica.
Assim, tendo em vista a superficialidade no que tange aos controles e forma de contabilização, pela legislação da Lei do Bem, entendemos que o usufruto não deverá afetar os resultados auferidos, por se tratar, em nossa interpretação de um benefício meramente fiscal, não devendo alterar os resultados contábeis da empresa.
As Obrigações Acessórias
Para concluirmos nossas análises, é importante destacarmos quais são as obrigações acessórias associadas ao uso do benefício pelas micro e pequenas empresas. Como dito anteriormente, não há necessidade de prestar contas ao MCTI, contudo, a ME ou EPP optante pelo Lucro Presumido, deverá indicar os valores recebidos, destinados à pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, na ECF (Escrituração Contábil Fiscal), no registro Y672 – outras informações (lucro presumido) – conforme indicado no Manual de Orientação da ECF – 2021, publicado em dezembro de 2020:
“Receitas e Rendimentos Não Tributáveis ou Tributados Exclusivamente na Fonte;
Informar, neste campo, o valor das seguintes receitas e rendimentos:
(…)
d) as importâncias recebidas na forma do caput do art. 18 da Lei nº 11.196, de 2005, desde que utilizadas integralmente na realização da pesquisa ou desenvolvimento de inovação tecnológica.”
Contudo, cabe esclarecermos que no Manual da ECF não há indicação de campo específico para prestação de contas onde se deverá indicar os valores recebidos, destinados à pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, no caso das MEs e EPPs que apuram pelo Lucro Real.
Por fim, diante dos pontos apresentados, entendemos que o usufruto do benefício da não constituição como receita dos valores transferidos às micro e pequenas empresas para fins da execução das atividades de PD&I são uma forma de realizar um bom planejamento fiscal e obter os ganhos por estarem inseridas no ambiente inovação do Brasil.
Nota: obrigações legais na hipótese de mudança de porte |
A legislação brasileira não apresenta de forma expressa os prazos para que as empresas de pequeno porte, optantes pelo lucro presumido, informem aos órgãos competentes a mudança de porte. Contudo, se utilizarmos as regras estabelecidas pela Lei Complementar nº 123/2006 estabelecidas às MEs/EPPs optantes pelo regime de tributação especial (SIMPLES) como uma analogia, as empresas devem informar seu desenquadramento: “Art. 3º, § 9º A empresa de pequeno porte que, no ano-calendário, exceder o limite de receita bruta anual previsto no inciso II do caput deste artigo fica excluída, no mês subsequente à ocorrência do excesso, do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12, para todos os efeitos legais, ressalvado o disposto nos §§ 9o-A, 10 e 12. § 9º-A. Os efeitos da exclusão prevista no § 9º dar-se-ão no ano-calendário subsequente se o excesso verificado em relação à receita bruta não for superior a 20% (vinte por cento) do limite referido no inciso II do caput.” |
Autora:
Ana Luisa Brum é graduada em Administração de Empresas e Pós-Graduada em Finanças pela Fundação Dom Cabral. Na ABGI, atua em projetos de incentivos fiscais à inovação tecnológica em clientes de diversos setores.
