A inovação na indústria farmacêutica brasileira

Um olhar a partir de um dos seus pontos chave: o financiamento
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O setor farmacêutico é reconhecido por ser fortemente baseado em conhecimento científico e tecnológico e não coincidentemente é um dos principais exemplos de uma indústria inovadora. Segundo dados da empresa Phrma, estimam que só a indústria dos EUA investiu $58,8 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento em 2015, valor 10,3% maior que o ano anterior e que corresponde a 17% do total de  investimento privado em P&D feito pelas indústrias de todos os setores naquele país. Este investimento acontece apesar de várias características intrínsecas que dificultam o financiamento às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Mesmo quando se compara a outros tipos investimentos de longo prazo, e essas peculiaridades se devem às incertezas associadas ao processo inovativo. É altamente incerto prever o sucesso de um projeto de desenvolvimento de um novo produto ou processo, pois, mesmo que se conheça os padrões que levaram a uma inovação prévia bem-sucedida naquele mesmo setor, é muito difícil prever a realidade do mercado e o comportamento dos concorrentes no momento do lançamento, tampouco se preparar antecipadamente. Esta barreira dificulta o financiamento à inovação, em especial em momentos de crise econômica. Além disto, outras barreiras são bem conhecidas: o conhecimento gerado é tácito, o retorno dos investimentos é demorado e incerto e existe uma grande assimetria de informações entre o inovador, disposto ao risco, e o investidor, avesso ao risco, bem como, no caso da saúde, entre o consumidor ou usuário, neste caso os pacientes, e o comprador da tecnologia, o sistema público de saúde ou as seguradoras de saúde privada. Estas dificuldades se agravam no caso do investimento em tecnologias farmacêuticas, devido ao alto volume de recursos necessários, que envolvem mão de obra altamente qualificada, materiais e equipamentos de alto custo, tempo de desenvolvimento ainda mais longo que para outras tecnologias e exigências regulatórias rígidas desde a condução ética dos ensaios clínicos até o registro do produto final para a comercialização. Apesar das principais empresas farmacêuticas estarem localizadas no Estados Unidos ou na Europa, os países emergentes vêm assumindo um papel cada vez mais importante no mercado farmacêutico mundial, devido ao seu crescimento do seu mercado nos últimos anos e ao potencial de expansão ainda existente. O Brasil, por exemplo, vem constantemente subindo posições no ranking mundial farmacêutico. De 2005 a 2010 ele saiu do décimo lugar no ranking mundial para a 7a  posição e estima-se que em 2020 ele será o 5o maior mercado farmacêutico mundial. Estima-se que o mercado farmacêutico brasileiro deve atingir R$87 bilhões em 2017, de acordo com a FEBRAFAR – Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias. Devido a importância do setor, não só sua relevância econômica mas também por sua relação direta com a política de saúde e a qualidade de vida da população,  ele vem sendo considerado estratégico em todas as políticas industriais recentes brasileiras. Isto se traduz em um número vasto de programas de apoio ao setor, sejam eles específicos como o PROFARMA do BNDES ou transversais, como o Subvenção Econômica da FINEP,  e em um  grande volume de recursos públicos aportados pelos órgãos de fomento a inovação. Só o BNDES já desembolsou mais de R$ 5 bilhões com o setor e, apesar de uma grande variação no período analisado de 1995 a 2015, desde 2007 ele se encontra entre os 10 setores com maior aporte de investimentos, tendo ocupado a primeira posição em 2010. É importante notar ainda que 81,2% foram realizados em empresas de grande porte. Estes recursos foram destinados à atividades importantes para garantia da competitividade da indústria nacional tais como a modernização do parque industrial para atendimento a exigência regulatorias internacional, o fortalecimento da indústria de genéricos e o fomento ao desenvolvimento e transferência de tecnologias inovadoras para o país em áreas como a de medicamentos biológicos. A Pesquisa de Inovação – PINTEC do IBGE fornece dados valiosos para se traçar um panorama de inovação no país. Com os dados mais recentes divulgados em 2014 e os referentes aos anos anteriores,  é possível compreender várias questões relacionadas ao setor farmacêutico, tais como tipo e grau de inovação desenvolvido no setor, interação com terceiros, mão  de obra dedicada às atividades de inovação e também questão do financiamento, que será foco da análise a seguir. Em média 55,5% das empresas do setor farmacêutico e farmoquímico implementam inovações tecnológicas e este número se mostra estável ao longo dos anos. A média de empresas que realizam inovações tecnológicas no setor farmacêutico foi maior que a média das indústrias de transformação como um todo, as quais 42,0% implementaram inovação em 2014. O valor dos dispêndios com P&D das empresas deste setor vem crescendo ao longo dos anos e atingiu R$ 2,2 bilhões no ano de 2014, enquanto a receita líquida de vendas declarada foi de R$ 54,8 bilhões.

Dispêndio em P&D do setor e sua porcentagem em relação a receita (R$ mil e %, 2001 – 2014)

Os dispêndios em inovação para a PINTEC podem ser realizados nas seguintes atividades: atividades internas de PD&I; aquisição externa de PD&I; aquisição de outros conhecimentos externos; aquisição de software; aquisição de máquinas e equipamentos; treinamento; introdução das inovações tecnológicas no mercado; projeto industrial, e outras preparações técnicas. É interessante notar que pode-se perceber que a alocação dos dispêndios em PD&I da indústria farmacêutica muda ao longo dos anos.

A proporção dos dispêndios em atividades internas, cresce significativamente, de 15% em 2003 para 54% em 2014. A partir de 2008, esta atividade passa a figurar como a principal categoria de dispêndio em P&D, ao invés da aquisição de máquinas e equipamentos. Essa atividade, apesar de ainda receber uma  alocação de recursos importante, tem perdido sistematicamente sua relevância. Isto pode ser um indicativo de que a indústria farmacêutica brasileira foi capaz de absorver os incentivos para modernização de seus processos produtivos, muitos deles baseados em recursos para compra de equipamentos mais modernos e adequação das instalações, e agora pode investir do desenvolvimento e internalização de atividades que exijam maior conhecimento técnico e com maior grau de risco.

Histórico da distribuição dos dispêndios com PD&I (%, 2001 – 2014)

A fonte dos recursos utilizados nos dispêndios é majoritariamente capital próprio das empresas, mas elas têm utilizado cada vez mais capital de terceiros, seja recursos públicos via apoio governamental, privados e do exterior. De todos estes, o principal recurso de terceiros utilizado é público.

O número de empresas que recebeu apoio do governo salta de 52 em 2003 para 128 em 2014. Isto pode ser resultado do grande número de programas e mecanismos disponíveis para apoio a este setor, por exemplo, o BNDES Profarma opera desde 2004. Em 2014, 60,4% das empresas do setor que inovaram utilizaram algum tipo de apoio do governo.

 

Porcentagem das empresas que receberam apoio do governo em relação às empresas inovadoras no setor de farmoquímicos e farmacêutico (%, 2001 – 2014)

 

O apoio do governo pode se dar por meio de incentivos fiscais a P&D, subvenção econômica, financiamento a projetos com e sem parceira de universidades, financiamento a compra de máquinas e equipamentos, dentre outros. As empresas do setor vêm utilizando cada vez mais os incentivos fiscais a P&D, sendo que ele quintuplicou desde o lançamento da Lei do Bem em 2005, atingindo 42% em 2014. Este dado permite uma observação importante que, já que para utilizar o benefício em um determinado ano a empresa não pode ter prejuízo fiscal, o setor navegou bem por anos reconhecidamente de crise, como entre 2008 e 2009. Além disto, um tipo de apoio amplamente utilizado pelo setor é o de financiamento a projetos em cooperação com universidades de outros centros de pesquisa. Esta é uma característica marcante do setor, no qual muitas das moléculas inovadoras são geradas de pesquisa realizada em centros de pesquisa que posteriormente são absorvidas pelas empresas que fazem sua introdução no mercado. Além disto, de modo geral, os órgãos públicos de fomento incentizam este tipo de projeto que envolve a formação de redes entre diversos atores como a academia e empresas de diferentes portes e até setores, que além de cooperar compartilham o risco do desenvolvimento,  e cujo potencial para difusão do conhecimento e da inovação é alto.

 

Valores relativos do tipo de apoio do governo utilizado pelas empresas inovadoras do setor farmacêutico (%, 2001 – 2014)

 

Em resumo, fica claro que o governo é um importante parceiro das empresas farmacêuticas que desejam inovador e um elo chave do sistema de inovação neste setor. A análise dos dados da PINTEC permite observar a trajetória de desenvolvimento deste setor, que conta não só com unidades brasileiras de grandes industriais multinacionais, mas também com indústrias nacionais que vem se fortalecendo cada vez mais no mercado.

Uma análise mais crítica dos dados da PINTEC e do sistema de inovação farmacêutico  brasileiro pode ser encontrada na dissertação “Financiamento público ao sistema setorial de inovação farmacêutico brasileiro” de Luiza Pinheiro Alves da Silva, doutoranda em Inovação Tecnológica e Biofarmacêutica pela UFMG, disponível neste link.

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Autora

Luiza Pinheiro Alves da Silva é doutoranda no programa de Inovação Tecnológica e Biofarmacêutica pela UFMG, e atua como Especialista em Inovação Independente. Tem experiência em estratégia de inovação, inteligência de mercado, identificação de oportunidades e estruturação de projetos de financiamento à inovação, inclusive já fez parte da equipe da Inventta+bgi. Também foi mentora de startups do programa SEED e agente de aceleração no programa BioStartup Lab.

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